Com a pandemia que abalou o mundo em 2020 muitos dos negócios tiveram que se adaptar em busca de uma solução para uma quebra de faturação que, em muitos casos, superou os 50% comparativamente com 2019.

Um dos setores mais afetados foi a restauração. Depois de um encerramento total em março e abril, desde a reabertura o setor vive com fortes restrições que limitam o número de clientes nos espaços, bem como os horários de funcionamento.
Responsável por milhares de postos de trabalho, o setor da restauração foi também dos que mais rápido se adaptou gerando também novos hábitos que alguns temem ser permanentes com os prejuízos que isso pode trazer.
Para colmatar a ausência de clientes nas salas, os restaurantes começaram a servir em regime de take away mas também em entrega ao domicílio.
Petiscos ao domicílio
Entrando pela estreita Rua da Olaria, em Lamego, outrora via repleta de negócios tradicionais, encontramos o Taskazita, um espaço que nos remete para as típicas tascas durienses onde os petiscos são uma imagem de marca, bem como a boa disposição de Zita Rodrigues, proprietária do espaço. Este foi um dos restaurantes da região que se adaptou aos novos tempos, apesar de contrariar o espírito do local.
“Nós adaptamos o nosso negócio apesar de sentirmos pouca adesão. As pessoas preferem comer no restaurante porque a comida chega em melhores condições à mesa, por muito cuidado que tenhamos no seu transporte. Adaptei uma carrinha que temos, compramos caixas térmicas e temos uma pessoa que faz a distribuição porque aqui não há aquelas plataformas de entregas que conhecemos das grandes cidades por exemplo, temos que ser nós a fazer todo esse trabalho.
A Tascazita tem uma imagem de marca que não é apenas a comida que aqui servimos, é o serviço que prestamos, os clientes são praticamente amigos e o contacto que existe ao virem aqui é algo que não conseguimos levar a suas casas, e as pessoas manifestam essa nostalgia, é mais impessoal. Isto é uma casa de amigos que serve pratos que convidam à partilha de conversas, muitos petiscos, e isso foi algo que se perdeu”, conta-nos Zita.
Inaugurada em 2012, em plena crise económica com a Troika a gerir as contas nacionais, o espaço passa, de acordo com a proprietária “pelo pior momento de sempre. Em 2012 as pessoas não estavam limitadas na circulação, não havia este medo do contacto e isso faz toda a diferença”.
Zita Rodrigues conta-nos que o receio atualmente é a mudança de hábitos que esta pandemia pode provocar, alguns são mesmo já sentidos, em especial no horário de almoço com muitos dos habituais clientes ausentes daquele espaço.
“Esta pandemia pode criar novos hábitos mas para nós é triste ver a sala vazia. Se as pessoas se habituam a isto vão deixar de vir aos restaurantes e ficam em casa.
Uma quebra fruto de uma adaptação que já sentimos foi ao almoço, antes da pandemia tínhamos aqui muita gente a almoçar, em especial de negócios ligados aos serviços, essas pessoas agora trazem a sua comida de casa e comem no local de trabalho para evitarem ajuntamentos, é uma alteração que nos prejudica o negócio”.
Brunch permite refeição tranquila
Mas não é só de take away e entregas ao domicílio que se fazem as mudanças no setor da restauração um pouco por todo o Douro. Em Vila Real fomos conhecer um novo conceito, o brunch, uma mistura de pequeno-almoço com almoço que normalmente é servido a meio da manhã, permitindo assim disfrutar de uma refeição ainda a tempo do regresso a casa que ao fim de semana terá que acontecer até às 13 horas.
“Este conceito adequa-se à restrição de horários que temos ao fim de semana, daí termos decidido implementar o conceito uma vez que os clientes só podiam vir cá almoçar e à uma da tarde tinham que sair e as pessoas não gostam de comer à pressa sempre a olhar para o relógio.
O brunch surge já que não podemos receber os clientes para almoço, decidimos experimentar criando um menu à volta do que se faz nas grandes cidades europeias pegando em algumas iguarias e felizmente tem tido uma boa aceitação. As pessoas ao fim de semana é quando têm mais tempo para lazer e estar à vontade”, conta-nos Daniel Gomes, chef do restaurante Cais da Villa, em Vila Real.
Para o responsável pela cozinha deste espaço de excelência Vila Real é hoje “uma cidade em crescimento e que tem apostado na modernização”, encaixando com o conceito agora desenvolvido, que surge “não pelos melhores motivos” mas que o chef prevê que “se vá manter, até porque as restrições também deverão continuar”.
“Só em Lisboa e Porto é que já há alguns espaços mesmo dedicados a este tipo de serviço daí termos decidido fazer esta aposta para gerar algum movimento. Também fazemos take-away e delivery mas é um conceito mais comum e decidimos fazer algo diferente. Tivemos que inovar porque nenhum negócio cresce ou se mantém sem fluxo de caixa”.
Daniel Gomes explica-nos um pouco melhor no que consiste esta refeição, apresentando o brunch que podemos usufruir.
“É algo descontraído, ainda estamos a “iniciar o sistema” como costumo dizer e ainda não há aquele apetite para almoçar e este conceito encaixa muito bem. Normalmente um brunch é servido maioritariamente em hotéis e é feito um buffet. Devido à pandemia e às restrições esse conceito é posto de lado e apostamos num menu completo composto por 3 momentos bastante completos.
Na primeira parte servimos umas compotas, manteiga, sumo de laranja, café ou chá. Tem ainda duas variedades de tostas e um covilhete, um pastel tradicional da cidade.
Num segundo momento temos uma confeção de ovo, muito utilizada neste conceito, o benedict, e uma salsicha alemã grelhada, de queijo com batata, como se fosse um prato principal, já com proteína.
Terminamos com uma panqueca de fruta com musse de coco, que será a sobremesa. O cliente acaba por ter três momentos diferentes, é quase um menu de degustação”.
Era digital chegou aos centenários
Conhecida por todos na cidade de Peso da Régua, a Casa Antão é uma retrosaria centenária que deu o salto para a era digital com a chegada da pandemia, contornando assim a quebra de vendas registada.
“Isto surgiu porque o negócio começou a decrescer um pouco. Nós já tínhamos uma página no Facebook que não era muito trabalhada diariamente mas com a pandemia houve necessidade de nos adaptarmos às circunstâncias porque não podíamos baixar os braços.
Começamos a fazer uns diretos de divulgação de produtos e começou a correr muito bem. Os primeiros diretos tiveram uma média de 100 pessoas a ver que nos iam solicitando para continuar. Começamos a fazer os vídeos de forma semanal, aos domingos”, explica-nos Isabel Sá, a “cara” destes diretos.
Isabel afirma ainda que esta ferramenta obrigou o próprio negócio da reinventar-se, procurando responder ao crescente interesse que as pessoas têm demonstrado.
“Os diretos semanais foram uma ferramenta ótima de divulgação dos produtos da nossa loja porque as pessoas não tinham a noção que nós tínhamos tantos produtos diversificados. É óbvio que com este volume de venda que registamos tivemos necessidade de procurar novos produtos também para não cansar o cliente. Fazendo isto semanalmente e com já perto de 400 pessoas a assistir, acabamos por ter a preocupação de ter produtos diferentes para que as pessoas não se cansem, não posso correr o risco de ser algo monótono.
O feedback que as pessoas nos dão é mesmo esse, que não faziam ideia que tinha tantos produtos, apesar de toda a gente conhecer esta loja até porque já é um espaço centenário”.
Os compradores têm surgido de semana para semana assim como as visualizações em direto, Isabel Sá é quem garante não só as vendas como a preparação das encomendas e a sua entrega ao cliente, em casa.
“De semana para semana as coisas têm evoluído positivamente, as pessoas compram muito. Como é ao domingo, apesar de ser um dia mais calmo, as pessoas estão em casa, confortáveis o que proporciona que possam ter tempo para assistir. Depois as encomendas são entregues por mim ao domicílio ou as pessoas podem passar aqui pela loja a levantar”.
A avaliação positiva leva a que Isabel pense já manter este formato, “mas de forma quinzenal talvez”, quando todas as restrições estiverem ultrapassadas.
Fruta e hortaliça na rede
As compras online e a possibilidade de receber os produtos em casa, evitando deslocações, esperas em filas e aglomerados de pessoas em espaços comerciais, foram uma das alterações que esta pandemia trouxe para o dia a dia.
É neste contexto, associado a um consumo de produtos de qualidade e proximidade também crescente, que nasceu o projeto Da Quinta Ao Prato, de Marlene Fonseca.
“As pessoas procuram cada vez mais alimentos saudáveis e frescos, isso só se encontra junto dos pequenos produtores que têm a sua horta e que nos fornecem na medida do que precisamos para as encomendas, garantindo que só são colhidos antes da entrega. O cliente recebe sempre os produtos frescos”.
Todo o processo é bastante simples e as entregas podem ser feitas ao domicílio do cliente ou em outro local que este designar, como explica Marlene.
“Aos domingos colocamos todos os produtos que temos disponíveis nessa semana nas nossas redes sociais e vamos recolhendo as encomendas até ao final da manhã de quarta feira. O dia seguinte é passado a organizar as encomendas e ao final do dia é hora de recolher os produtos necessários para que no dia seguinte seja feita a distribuição. Sou eu quem faz a entrega pessoalmente e posso levar a casa do cliente ou a outro local que seja pedido”.
O projeto Da Quinta ao Prato surge de um outro que Marlene tinha anteriormente. “Tinha um projeto anterior e que surgiu durante a primeira fase da pandemia que se chamava Da Terra. Com o crescimento desse projeto e a vontade de o levar um pouco mais longe decidimos criar um novo nome e imagem para fazer esse trabalho”.
A expansão do negócio é neste momento a meta de Marlene Fonseca que, apesar de ter o seu trabalho como restauradora, pretende dedicar todo o seu tempo a este novo projeto.
“Com todas estas alterações criamos zonas de entrega para conseguirmos chegar mais longe, o objetivo é chegar às grandes cidades do norte, como o Porto, por exemplo, ou Braga. Acreditamos que é aí que os nossos produtos farão maior diferença, são produtos de grande qualidade, sem nenhum tratamento e que vêm diretamente dos produtores, não estão inseridos numa cadeia de distribuição de larga escala. Outra coisa que pode fazer a diferença é o facto de também termos alguns produtos regionais como a Bola de Lamego, vinho, azeite e doçaria regional”.