Inês Amaral é natural de Peso da Régua, atualmente esta enfermeira trabalha na Policlinica Guipuzkoa , em San Sebastián, Espanha. O VivaDouro falou com esta profissional na linha da frente ao combate à Covid-19 no país europeu mais afetado pela pandemia.

Antes de falarmos da situação atual, o que a levou a escolher Espanha para trabalhar?
No início um pouco a vontade de mudar, de ir à procura de novas experiências de trabalho e de vida. Eu trabalhava no CHTMAD no antigo Hospital de Lamego. Não sabia muito bem o meu futuro por lá, e como tal, decidi arriscar. Por outro lado, o meu namorado da altura (atual marido) já tinha estado a trabalhar em San Sebastian e decidimos aventurar-nos os dois.
Como tem sido, globalmente, a experiência de trabalhar em Espanha?
Em geral tem sido gratificante, tanto a nível profissional, como pessoal. Profissionalmente tenho adquirido conhecimentos todos os dias. Atualmente estou no bloco operatório há quase 3 anos, mas tive a oportunidade de passar por diversos serviços (internamento medicina geral, ortopedia, cardiologia, materno-infantil, unidade de dialise, etc.).
Pessoalmente, para além de adorar esta cidade para viver, e ter amigos por cá, tanto portugueses como Espanhóis , trabalhas diariamente um idioma novo, e a adaptação ao meio é uma constante experiência de vida.
Contudo, existe o outro lado da moeda. Há dias mais difíceis, e, o facto de estar longe da família, para mim, custa bastante. Tenho saudade dos almoços em família, de não ver os mais pequenos crescer , não cuidar de todos eles quando faz falta, dos amigos que estão por aí, e, principalmente, de privar o meu filho de conviver com os tios, primos e avós.
Neste momento atravessamos uma grave crise de saúde e Espanha tem sido dos países mais atingidos por esta pandemia. Como tem sido viver esta situação na linha da frente?
No início parecia tudo muito longínquo. Pensas mesmo que não vai acontecer, mas, quando vês no teu trabalho que todas as rotinas começam a mudar, que começam a organizar e planificar tudo para receber uma catástrofe, paras. E é aí que entra um pouco de ansiedade. Não tem sido fácil, principalmente psicologicamente, gerir toda a informação nova que, constantemente chega ao hospital. Todos os dias mudam-se estratégias, saem normativas novas, e vais adaptando o teu trabalho.
Todos os dias sais de casa com aquele friozinho na barriga, desejando que tudo corra pelo melhor, e, principalmente, que não tragas o “maldito” a casa.
Que rotinas do dia-a-dia profissional viu serem alteradas com a chegada do Covid-19?
Todas. No meu serviço (bloco operatório) suspendemos todas as cirurgias, realizando só casos urgentes, sejam eles Covid-19 positivos ou não, e partos/cesarianas.
Fomos mobilizados pelos diversos serviços do hospital, alguns colegas integram o serviços de cuidados intensivos, internamento hospitalar e urgências e outros asseguram as cirurgias do dia.
Em Espanha o sistema de saúde tem vivido graves problemas com esta pandemia. Como têm sido os dias de trabalho?
Em Espanha, no meu ponto de vista desta situação, fomos todos apanhados já no meio do caos desta pandemia. Tendo Itália como referência, queria-se que Espanha reagisse mais prontamente. Mas não. As estratégias não foram planificadas com tempo, as decisões tomadas tarde e daí os resultados que temos.
Apesar de o hospital onde trabalho ser privado, neste momento somos todos saúde pública, e o nosso “ chefe “ é o governo. E isso também gera inquietude entre equipas.
O facto de estarmos sobre ordem de saúde pública, e, termos 2 hospitais na cidade, as indicações que temos é manter a nossa unidade de cuidados intensivos “ limpa”, absorvendo pacientes do hospital público e do nosso, e todos os pacientes Covid-19 positivos que necessitem Cuidados Intensivos serão transferidos para o outro hospital para a unidade de intensivos dita “ suja”. Isto até agora.
Neste momento temos também três alas de internamento fechadas destinadas a esses casos de Covid-19 positivos ou suspeitos provenientes da urgência, estando duas delas cheias e uma com camas disponíveis.
Têm sido dias de mais ansiedade, de mudanças constantes e esperança que tudo isto acabe.
Com cerca de 19 mil profissionais de saúde infetados, Espanha é o país europeu com mais infetados entre estes profissionais. São números que despertam algum receio?
Estes números, despertam não só receio, mas tristeza também. São indicativos de que o sistema não funcionou. E aqui sistema, digo quem gere estes profissionais, que os pôs no “campo de batalha” com poucas condições, provavelmente, para enfrentar esta guerra. E aqui, refiro-me à falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s). Por muita vontade que tenhas de ajudar, de salvar, de fazer o teu trabalho e cumprir a tua missão como profissional de saúde, não o podes fazer sem te protegeres a ti mesmo.
No meu hospital nunca chegamos a estar sem material, mas foi necessário reutilizar alguns materiais, pela escassez dos mesmos que se verifica em todo o mundo.
Por outro lado, outro fator, tão ou mais importante, é o cansaço físico e psicológico de todos os profissionais de saúde, que levam a que se cometa mais descuidos na hora de lidar com estes pacientes.
É mãe, como gere a vida pessoal e a profissional num momento destes?
Não é fácil. Em casa somos dois enfermeiros, no mesmo hospital. Não temos família aqui e tivemos que adaptar o dia a dia, visto o infantário estar fechado há um mês.
Neste momento tenho o meu horário um pouco adaptado para que possamos os dois trabalhar em turnos distintos e podermos ficar com o nosso filho em casa. Fazemos a troca de turno em casa todos os dias.
Pessoalmente, tentamos não levar o trabalho para a mesa de jantar, para aliviar um pouco toda a tensão (mas ás vezes não consegues fazê-lo). Nesse aspeto um bebé ajuda muito, porque te ocupa e distrai grande parte do tempo e tudo se torna mais ameno.
Certamente que também tem acompanhado o evoluir da situação em Portugal. As diferenças nos números entre Portugal e Espanha são muitas, no seu entender, que fatores contribuíram para esta diferença?
No meu entender, a discrepância desses números deve-se às medidas terem sido tomadas antecipadamente em Portugal. Tendo como “maus” exemplos Itália e Espanha, creio que os portugueses conseguiram perceber que era preciso cumprir as ordens e agir corretamente.
O que neste momento é importante é que isso não conduza a uma falsa sensação de segurança e haja um relaxamento das medidas adotadas.
Em Portugal um dos problemas que mais temos conhecimento é a falta de Equipamento de Proteção Individual e de testes, em Espanha também se vive este problema?
Como referi anteriormente a falta de Equipamentos de Proteção individual é um problema mundial que deixa os profissionais de saúde numa situação de grande risco de contágio .
Quanto aos testes, o que se ouve na televisão por ordem do governo é a realização de testes em massa, mas depois surgem casos de profissionais de saúde que estando sintomáticos, não realizam testes e têm que ir trabalhar.
Estando na linha da frente num dos países mais afetados, que mensagem gostaria de deixar em especial para os durienses?
Como duriense não poderia estar mais orgulhosa do que tenho visto, lido e ouvido. Continuem a lutar! Para todos os que ainda têm dúvidas, não pensem que acontece só aos outros.
Sejam fortes, conscientes e cumpridores das indicações!!
O golpe é duro. Nenhum sistema estava preparado para tal catástrofe, mas vai passar! Ajudem quem está no terreno todos os dias e fiquem em casa.
Mesmo a terminar, o regresso a Portugal é uma meta no horizonte?
Claro que gostaria de regressar a Portugal, mas teria que ser uma decisão tão, ou mais ponderada como a que tomei quando vim para Espanha. Neste momento as condições tanto de trabalho como remuneratórias não são favoráveis a essa decisão.