Editorial

agosto 2025

Estimados Leitores,

Arderam mais de 200 mil hectares de floresta e de culturas agrícolas em 2025 até ao momento em que escrevo este editorial. Este número, só por si, é avassalador pois, para se poder comparar, nos últimos 3 anos, no total, arderam 150 mil hectares. Neste verão os números não são uma repetição, pois temos mais milhares de operacionais mobilizados, mais dezenas de casas destruídas, mais ecossistemas aniquilados e mais muitos milhões de euros em prejuízos.  E também temos a lamentar algumas perdas de vidas.

Mas os números escondem o essencial: muitas vidas arruinadas e territórios condenados.

As causas e os problemas são os mesmos de sempre. Fogo posto, de propósito ou sem intenção. Alguns fenómenos naturais, como um relâmpago seco. Muito calor e vento inconstante e de direção imprevisível. Dificuldade de detetar e apagar a primeira ignição. Falta de pessoal qualificado e formado para a deteção e o primeiro combate.

Mas desta vez soma-se, pela dimensão gigantesca dos fogos, a notória dificuldade de coordenação e organização dos meios. Com o mesmo incêndio a ocorrer em vários concelhos e distritos ao mesmo tempo e com bombeiros e carros de combate devidamente equipados e preparados vindos de todo o Portugal, o comando no local do próprio incendio é um dos aspetos que menos vem a público. Teoricamente, está bem resolvido na figura do COS - Comandante das Operações de Socorro – que é a autoridade máxima no teatro de operações de um incêndio ou outra emergência em Portugal. Na prática, o COS é, habitualmente, o CODIS ou seja o Comandante Distrital de Operações de Socorro (Proteção Civil Distrital). O CODIS reporta ao Comando Nacional de Emergência e Proteção Civil (CNEPC/ANEPC) que, por sua vez, reporta ao Governo, sendo que a tutela é da Ministra da administração Interna (MAI). Tudo isto funciona relativamente bem em situações normais de pequenos fogos circunscritos e está estruturado, acima de tudo, para proteger as pessoas o que está correto.

O problema é que a pratica e experiência de combate aos grandes fogos revelam muitas debilidades neste sistema quando ele é aplicado em combates transversais (que envolvem vários distritos e concelhos) e quando as forças em ação são de dimensão significativa. Os problemas foram bem identificados, por exemplo, pela comissão técnica Independente do pós-Pedrógão 2017 e podemos sintetizá-los em:

1. A centralização excessiva e burocrática, pois a cadeia hierárquica (COS → CODIS → Comando Nacional → MAI/Governo) pode ser demasiado lenta, quando os incêndios evoluem e se modificam em minutos e a nomeação política dos CODIS (via MAI) gera dependência da tutela e menor autonomia técnica. 

2. O afastamento das realidades locais, porque o COS conhece o terreno, mas o CODIS (distrital), muitas vezes, não o conhece e muitas vezes assume o papel do COS. O comando distrital está distante da realidade das corporações de bombeiros e das associações locais e dos seus meios.

3. O conflito institucional com os bombeiros, na verdade muitos comandantes de bombeiros queixam-se de que a ANEPC “manda sem conhecer” a realidade operacional e o COS, embora seja autoridade máxima no terreno, está condicionado pelas orientações do CODIS/ANEPC. Existe um choque entre a lógica administrativa e burocrática da proteção civil e a lógica operacional dos bombeiros.

4. A fragmentação e sobreposição de funções, porque em grandes fogos, estão envolvidos Bombeiros – de muitas corporações, GNR, ICNF, Forças Armadas, Autarquias — mas a coordenação é complexa e nem sempre clara. Por outro lado, há stakeholders importantes, tais como as Zonas de Caça, os Produtores Florestais, as associações e agrupamentos de agricultores que ficam à margem do sistema de decisão, embora tenham meios e conhecimento local. Ainda por outro lado, as decisões tomadas em cada local concreto, quando o combate e a proteção de vidas e habitações é a prioridade, devem ser orientadas para essa proteção e não para a proteção das carreiras burocráticas.

5. Rotatividade e instabilidade nos cargos pois os CODIS mudam com frequência, muitas vezes em regime de substituição o que faz com que haja falta de continuidade estratégica, isto porque o sistema privilegia carreiras administrativas em vez de experiência de combate real.

6. Foco no combate, não na prevenção. A proteção civil atua sobretudo em modo reativo (apagar fogos). Há falta de integração real com políticas de ordenamento, silvicultura, caça e agricultura. Ou seja, temos um combate muito dispendioso porque a prevenção é insuficiente.

As consequências são devastadoras. Os agricultores veem as suas colheitas, máquinas e animais reduzidos a cinzas. Os produtores florestais perdem em horas o investimento de décadas. As organizações de produtores, que são o último reduto de coesão no interior, ficam sem capacidade de apoiar quem mais precisa. As zonas de caça, que representam não apenas lazer, mas também biodiversidade, gestão do território e economia rural, são devastadas. O que o fogo não destrói fisicamente, destrói em esperança.

Não é apenas a natureza que queima. É o futuro do país. Mais de 58% do território rural português já se encontra em risco elevado de desertificação. Mais de metade da floresta nacional é composta por espécies de crescimento rápido e altamente inflamáveis, como o eucalipto e o pinheiro-bravo. O rendimento agrícola per capita em Portugal é dos mais baixos da Europa e os prejuízos causados pelo fogo nunca são totalmente compensados.

Todos os anos, após a catástrofe, sucedem-se as promessas: linhas de apoio, fundos de emergência, programas de reabilitação. Mas os agricultores sabem a verdade amarga: a ajuda chega tarde, incompleta e carregada de burocracia. Para muitos, simplesmente não chega. A tragédia é sempre deles. O discurso é sempre do Estado.

É inaceitável que o país continue a tratar os incêndios como fatalidade e não como resultado de políticas falhadas. É inaceitável que se peça aos agricultores e produtores florestais para continuarem a ser “os guardiões do território” sem lhes dar os meios para viverem dessa missão. É inaceitável que o interior seja, ano após ano, sacrificado em nome da inércia política.

Para lá dos apoios necessários e diretos para as consequências imediatas dos incêndios, especialmente para que se possa apoiar aqueles que não têm capacidade ou que, por razões legais ou outras têm prejuízos diretos que não estão cobertos pelos seguros, é necessário que existam apoios estruturados e organizados.

Portugal precisa de apoios concretos, imediatos e eficazes, tais como:

1. Compensações rápidas e automáticas para perdas agrícolas e florestais, sem meses de espera. Compensações que não podem ser com base apenas no custo de replantação ou de reposição, mas que têm que ter em conta o prejuízo futuro nas produções. Por exemplo um castanheiro ardido produziria, em média cerca de 50 kgs de castanha, então a compensação deveria ser de cerca de 50 Kgs vezes 2,5 euros vezes 15 anos (tempo mínimo para que um castanheiro plantado comece a produzir).

2. Fundos permanentes de calamidade para apoiar organizações de produtores e cooperativas. Linhas de crédito com juros zero, prazos realistas longos e de acesso simplificado, adaptados ao ciclo agrícola e florestal. Com a possibilidade de conversão em apoio definitivo se os fundos forem diretamente utilizados em reposição de meios ou em restabelecimento dos agricultores.

3. Incentivos robustos para a recuperação da fauna e habitats nas zonas de caça devastadas. As zonas de caça ordenada, especialmente as associativas e turísticas são atores fundamentais na gestão do território rural. Muitas vezes, são estas entidades que fazem manutenção de aceiros, abertura de pontos de água e preservação de espécies. Os prejuízos que sofrem com um incendio são avassaladores, pois perdem-se os habitats de espécies cinegéticas e não cinegéticas (coelho-bravo, perdiz, lebre, veado, javali, aves rapinas, micromamíferos, etc.), desaparecem pontos de água e refúgios, levando a um colapso temporário das populações animais e as entidades veem-se privadas de receitas (quotas de sócios, receitas de turistas, etc.), o que compromete a sua sustentabilidade. É necessário que se criem fundos de apoio direto às zonas de caça afetadas, para recuperação de habitats (reflorestação de espécies autóctones, sementeiras, reposição de abrigos, criação de pontos de água), programas de repovoamento com espécies autóctones.

4. Reforma estrutural da política florestal, apostando na diversificação, na gestão profissional e no ordenamento do território. Sem isto, o interior continuará a arder, primeiro nas chamas, depois no abandono.

Portugal continua a ter uma floresta marcada pela monocultura de espécies altamente inflamáveis (eucalipto, pinheiro-bravo). Cerca de 70% da floresta é privada e altamente fragmentada, muitas vezes gerida de forma amadora ou mesmo abandonada. Isso cria um território vulnerável. A fragmentação em milhares de minifúndios impossibilita uma gestão profissional. A ausência de ordenamento eficaz produz uma floresta colada a povoações, estradas e linhas elétricas. O predomínio de espécies combustíveis torna os fogos maiores, mais intensos e difíceis de controlar e os poucos incentivos económicos para proprietários diversificarem ou manterem a floresta limpa.

Assim, é preciso que:

a) Se desenvolvam apoios concretos para a diversificação florestal, tais como promover plantação de espécies autóctones mais resilientes ao fogo (sobreiro, carvalho, castanheiro, freixo), combinadas com culturas agrícolas e de pastoreio.

b) Apoiar a organização e a gestão mais profissional das áreas florestais e agrícolas, com apoios às Zonas de Intervenção Florestal (ZIF) e aos condomínios de aldeia, permitindo que pequenos proprietários deleguem a gestão em entidades credenciadas e competentes.

c) Criar faixas de proteção reais em torno de povoações, estradas e infraestruturas críticas.

d) Criar subsídios plurianuais para promover a diversificação florestal e as espécies autóctones mais resilientes ao fogo.

e) pagamento por serviços de ecossistema (sequestro de carbono, regulação hídrica, biodiversidade).

f) Apoios à concentração de propriedade, tais como ao agrupar de propriedades rústicas e à aquisição de propriedades limítrofes.

Chega de discursos piedosos. Chega de promessas que não passam de fumo. O que os agricultores e produtores precisam é de ação. O que Portugal precisa é de coragem.

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